sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Rivaldo: da mágoa ao auge



RIVALDO: DA MÁGOA AO AUGE

Antônio Falcão

No dia 19 de abril de 1972, Marluce, mulher de Romildo Vítor, humilde jardineiro da prefeitura, deu à luz ao terceiro filho na maternidade da Encruzilhada, no Recife. Eles viviam em Beberibe, outro bairro da zona norte da capital de Pernambuco, e lá, na penúria, criavam Ricardo e Rinaldo, os dois primeiros rebentos. Mas a emoção com o recém-nascido fez o pai dizer “onde comem quatro, comem cinco”. E ir ao cartório de registro civil para dar o nome completo do novo guri ao escrivão: Rivaldo Vítor Borba Ferreira.
Seis anos adiante, quando Marluce e Romildo haviam acrescido à família as meninas Soraya e Cristiane, todos foram morar em Paulista, cidade da região metropolitana do Recife. Nessa época, após as aulas no Colégio Castelo Branco, e em busca de amealhar uns trocados para o sustento da casa, puxando o raquítico Rivaldo pela mão os irmãos mais velhos vendiam doce, bolo e salgadinho pelas ruas de Paulista. E aos domingos iam estrategicamente ao Janga – a praia mais freqüentada – oferecer à venda outros lanches e picolés. Assim, aos 11 anos, quando já estudava nesse mesmo colégio público, Rivaldo também pegou o tabuleiro e saiu de porta em porta vendendo um de-comer qualquer para ajudar a família.
Folgando da escola e do serviço ambulante, ele – à época, Vado de seu Romildo – batia peladas no campinho do Gonzagão, onde era a mais habilidosa das crianças descalças, a conduzir a bola como se tivesse um imã no pé e a se impor como atacante. Para Vado, além do futebol, outros brinquedos eram pegar passarinho e treinar galo de briga – às vezes, também vendidos para reforço da mísera renda doméstica. Só aos 13 anos, ele teve o apoio decisivo do pai para ser craque: um par de chuteiras. E Romildo ao presenteá-lo fez mágica com o seu baixo salário de servidor municipal. Adiante, em 1988, mais incentivo: o pai o levara para as divisões de base do Santa Cruz Futebol Clube, no Recife, onde por conta da subnutrição crônica Rivaldo teve que extrair todos os dentes estragados.
Mas em 89, unindo-se à mágoa de ser extremamente pobre, um novo pesar veio marcá-lo: o pai morreu atropelado por um ônibus. Deprimido, o órfão Rivaldo – já aparecendo no juvenil do tricolor pernambucano – quis desistir do futebol. E a mãe, sabendo do sonho de Romildo em fazê-lo jogador, não permitiu. Aí, aos poucos, o rapaz de 1,87 m de altura se refez psicologicamente e, em 1991, destacou-se no juvenil recifense na Copa São Paulo de juniores. Até Telê Santana, técnico são-paulino, pediu que o comprassem ao Santa Cruz. Só que o modesto Mogi-Mirim Esporte Clube, da primeira divisão paulista, chegou antes e o adquiriu. E em 92, com o pé esquerdo abençoado e íntimo da bola, esse artista do Recife exibiu o seu jogo técnico, fazendo do clube (por analogia ao escrete holandês de 1974 e à condição interiorana do Mogi) “o carrossel caipira”. Nesse time, aliás, em 13 de abril de 1993, percebendo o goleiro do Noroeste adiantado, Rivaldo chutou da divisória do campo para fazer o fantástico tento que Pelé não conseguiu.
Depois, o Mogi o cedeu ao Corinthians e ele, embora tenha se saído bem na equipe com 19 partidas e 11 gols, não era aceito pela torcida. Mesmo assim, em 16 de dezembro de 93, como corintiano Rivaldo estreou na seleção brasileira contra o México, em Guadalajara, sendo dele o único gol do jogo. E ao atacante foi outorgado pela revista Placar o troféu Bola de Prata desse ano. Porém, desde o quarto jogo pelo Brasil, ele já era em definitivo do Palmeiras, clube no qual seria campeão paulista e brasileiro de 1994, quando recebeu outro Bola de Prata. Mas os palmeirenses também o magoavam, tachando-o de prendedor, a confundir estilo cadenciado com individualismo. A resposta dele – após ter feito pelo clube alviverde 86 partidas e 57 gols em quase três anos – veio com o título de campeão estadual em 96. E ainda com o renome na Europa, para onde foi por 10 milhões de dólares pagos pelo galego Deportivo La Coruña , então saudoso do brasileiro Bebeto.
Contudo, em julho de 1996, antes de se apresentar ao time espanhol da Galícia, ele foi para os Estados Unidos incorporar-se à seleção nas Olimpíadas de Atlanta. E haja mágoa, pois ao perder uma bola na intermediária, o escrete da Nigéria empatou o jogo, vencendo a seguir o Brasil na prorrogação. Isso tirara do time canarinho a chance de ganhar a medalha de ouro – título inédito no futebol brasileiro – e Rivaldo passou a ser assim bode expiatório, pecha que o afastara da seleção por mais de um ano. Compensando, ele teve ótimo desempenho no Deportivo ao lado de Djalminha e Mauro Silva, e já nessa temporada seria ídolo na Espanha. Tanto que o Barcelona – do qual o fenômeno Ronaldo acabara de sair – despendeu US$ 29 milhões e o levou para a Catalunha, onde o pernambucano a cada lance iluminaria de talento o estádio Camp Nou.
Sim, no Fútbol Club Barcelona – de julho de 1997 ao primeiro semestre de 2002 – Rivaldo vivera a fase mais radiosa da carreira. Com ele, o Barça venceu a Copa do Rei de 97, tendo no time ainda Luis Henrique, Kluivert e Figo. Ano seguinte – quando em 10 de maio Rivaldo reeditara contra o Atlético de Madrid o mesmo gol da divisória do campo –, a sua equipe foi vitoriosa na Liga espanhola e na Copa da Europa. E bicampeã da Liga em 99. No plano financeiro, o craque alcançou o auge ao firmar contratos milionários – o que a partir de então lhe poria no rol dos atletas realmente ricos do planeta. Isso sem falar dos principais troféus a Rivaldo atribuídos. Como: melhor jogador estrangeiro da Liga (98) – do jornal espanhol Sport; melhor jogador da Europa (99) – da revista France Football; e, finalmente, disputando com o inglês Beckhan e o argentino Batistuta, o mais honroso e democrático – votado por 140 técnicos –, espécie de Prêmio Nobel do futebol: melhor boleiro do mundo, outorgado pela Fifa em 1999. Para tantos títulos e prêmios, o artista Rivaldo fez 130 gols e jogou 235 partidas pelo Barcelona. Mas em 2002, de posse do passe e com insolúveis divergências com o treinador Louis Van Gaal, o craque deu adeus aos espanhóis. É possível que nessa época ele tenha se despedido também de Rose, com quem casara em Mogi-Mirim e que lhe dera um casal de filhos – Rivaldinho e Thamyris.
Concomitante ao rosário de glória e honraria no Barcelona, Rivaldo voltou à seleção nacional em novembro de 1997, quando o episódio ocorrido nas malfadadas Olimpíadas de Atlanta fora esquecido. E na França o craque fez com brilho a Copa do Mundo de 98, da qual o Brasil saiu vice-campeão e o atacante ostentando a unanimidade de que foi o melhor brasileiro. Em 99, venceu para o país a Copa América, sendo ele o maior goleador. E nos dois anos seguintes, além de amistosos, Rivaldo participaria das eliminatórias da Copa do Mundo de 2002, data esta em que – contando com ele como destaque – o Brasil se tornou pentacampeão mundial na Ásia. Assim, ao fazer o último jogo pelo País em 19 de novembro de 2003, o atacante contabilizaria 86 partidas e 38 gols. Desse total de jogos pela seleção brasileira ele saiu vitorioso em 55 ocasiões.
Uma vez longe do Barça, Rivaldo alugou-se à italiana Associazione Calcio Milan. E nessa bela equipe, ao longo de 13 meses de mágoa, faria 38 jogos, marcando apenas 8 pálidos tentos. Inconformado com o banco de reservas, ele de comum acordo com o Milan rescindiu o contrato. A seguir, em dezembro de 2003, Rivaldo voltaria ao Brasil para defender o Cruzeiro, à época treinado por Vanderlei Luxemburgo. Porém, com o desligamento desse técnico do clube e um desempenho do atacante abaixo da crítica, Rivaldo, dizendo-se solidário a Luxemburgo, pôs fim ao compromisso. E em julho de 2004, após muita conversa com várias equipes, ele assinaria com o grego Olympiakos, clube no qual jogava o seu compatriota e amigo Giovanni, também ex-Barcelona. Em Atenas, o pernambucano venceu o campeonato grego de 2004-5 e se candidata a repetir o feito em 2006.
Pelo que Rivaldo sabe de bola, é plausível e saudável crer que esse grande artista do futebol mundial ainda volte a brilhar.

Recife, de maio de 2006

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